Tinha um buraco no caminho
No meio do caminho tinha um buraco
tinha um buraco no meio do caminho
tinha uma buraco
no meio do caminho tinha um buraco.
E eu cai da bicicleta. Voei ali mesmo, feito acrobata.
Era cruzamento da Av. Santo Amaro com a Hélio Pellegrino. Cair de bicicleta assim, no meio da avenida, com multidão de carros, bicicletas e gentes, não é pra qualquer um.
Eu estava indo para o mestrado em velocidade normal. Mas… tinha um buraco no caminho.
Tudo parecia familiar, exceto pela luz do dia. Faço esse caminho de duas a três vezes na semana: o mesmo ponto de partida e o mesmo destino, mas tinha um buraco no caminho. E eu nunca tinha caído nesse buraco no meio do caminho, até ontem.
Se eu contar ninguém acredita. Ele não é daqueles buraquinhos discretos, que ficam de butuca esperando o ciclista desatento passar. Na verdade, ele é bem exuberante. É desses buracos paulistanos grandes, bem desenhados para ficar aonde todo mundo precisa passar. É um verdadeiro buraco no meio do caminho.
Minha solução e da maioria dos paulistanos (sem puxar sardinha para o meu lado, daqueles que tem bom senso) é passar pelo dito cujo BEM DEVAGAR. Devagarzinho a gente consegue e chega lá.
Acontece que eu me distraí. Pensava na prova de mais tarde, na missa que não fui e no beijo que não dei (ok, pensava nos que eu dei também). Pensava na vida e na morte da bezerra e em todos os lugares que eu poderia estar, menos ali.
Naquele momento eu não existia, minha consciência estava longe longe. Assim, foi fácil para o buraco no meio do caminho: me pegou distraída e eu cai.
Quando voltei a existir para aquele momento, eu não via mais nada. Não vi o que aconteceu, não sabia o que tinha machucado e não vi quem me viu, só tinha certeza de que precisava sair do chão. Independente de ser de dia e eu ter caído, independente da minha distração, independente da morte da bezerra, eu precisava me levantar. Estava no meio do cruzamento, caída e com dor e o farol podia abrir a qualquer momento, deixando as coisas ainda piores.
Então peguei a magrela e fui para a calçada. Mancando ou não, com dor ou não, decepcionada ou não, o farol não ia esperar eu me recuperar do tombo. Eu precisava seguir.
Tinha um buraco no caminho. Eu não vi e cai. Doeu. Mas minha vida seguiu. Seguiu a vida de quem viu, de quem riu e de quem se preocupou.
Seguiu como seguem as vidas: em frente. Depois do buraco no meio do caminho, do tombo e da dor, a vida segue.
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Pessoal, esse texto não é uma reclamação dos buracos de São Paulo, se bem que merecia. É uma reflexão sobre os problemas da vida, que existem e estão por aí.
Sempre encontraremos um, dois ou mais pelo caminho e pouco podemos fazer para que desapareçam. O que podemos fazer em relação à eles é manter a cabeça no lugar e a consciência em pleno estado de atenção para evitar cair em mais “buracos” do que o necessário.
De todo modo, uma vez que tenhamos caído, nossa postura ao levantar importa muito mais do que o próprio buraco.
A gente pode ficar estendido na avenida, esperando a sorte. Podemos chorar e reclamar a vida. Podemos até mesmo ficar horas imaginando aonde erramos, nos culpando e recriminando, ou tendo autopiedade… Mas, no final do dia, o que importa mais é a gente levantar.
A partir da aceitação do que aconteceu e da coragem de encarar os resultados é que a gente aprende, resignifica e se reinventa, buscando sair mais fortes de cada buraco no meio do caminho.
E como tem buracos no caminho…
Namaste!