Mariana Palandi
3 min readSep 28, 2019

Tinha um buraco no caminho

No meio do caminho tinha um buraco
tinha um buraco no meio do caminho
tinha uma buraco
no meio do caminho tinha um buraco.

E eu cai da bicicleta. Voei ali mesmo, feito acrobata.

Forever Bicycles, Ai Weiwei

Era cruzamento da Av. Santo Amaro com a Hélio Pellegrino. Cair de bicicleta assim, no meio da avenida, com multidão de carros, bicicletas e gentes, não é pra qualquer um.

Eu estava indo para o mestrado em velocidade normal. Mas… tinha um buraco no caminho.

Tudo parecia familiar, exceto pela luz do dia. Faço esse caminho de duas a três vezes na semana: o mesmo ponto de partida e o mesmo destino, mas tinha um buraco no caminho. E eu nunca tinha caído nesse buraco no meio do caminho, até ontem.

Se eu contar ninguém acredita. Ele não é daqueles buraquinhos discretos, que ficam de butuca esperando o ciclista desatento passar. Na verdade, ele é bem exuberante. É desses buracos paulistanos grandes, bem desenhados para ficar aonde todo mundo precisa passar. É um verdadeiro buraco no meio do caminho.

Minha solução e da maioria dos paulistanos (sem puxar sardinha para o meu lado, daqueles que tem bom senso) é passar pelo dito cujo BEM DEVAGAR. Devagarzinho a gente consegue e chega lá.

Acontece que eu me distraí. Pensava na prova de mais tarde, na missa que não fui e no beijo que não dei (ok, pensava nos que eu dei também). Pensava na vida e na morte da bezerra e em todos os lugares que eu poderia estar, menos ali.

Naquele momento eu não existia, minha consciência estava longe longe. Assim, foi fácil para o buraco no meio do caminho: me pegou distraída e eu cai.

Quando voltei a existir para aquele momento, eu não via mais nada. Não vi o que aconteceu, não sabia o que tinha machucado e não vi quem me viu, só tinha certeza de que precisava sair do chão. Independente de ser de dia e eu ter caído, independente da minha distração, independente da morte da bezerra, eu precisava me levantar. Estava no meio do cruzamento, caída e com dor e o farol podia abrir a qualquer momento, deixando as coisas ainda piores.

Então peguei a magrela e fui para a calçada. Mancando ou não, com dor ou não, decepcionada ou não, o farol não ia esperar eu me recuperar do tombo. Eu precisava seguir.

Tinha um buraco no caminho. Eu não vi e cai. Doeu. Mas minha vida seguiu. Seguiu a vida de quem viu, de quem riu e de quem se preocupou.

Seguiu como seguem as vidas: em frente. Depois do buraco no meio do caminho, do tombo e da dor, a vida segue.

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Pessoal, esse texto não é uma reclamação dos buracos de São Paulo, se bem que merecia. É uma reflexão sobre os problemas da vida, que existem e estão por aí.

Sempre encontraremos um, dois ou mais pelo caminho e pouco podemos fazer para que desapareçam. O que podemos fazer em relação à eles é manter a cabeça no lugar e a consciência em pleno estado de atenção para evitar cair em mais “buracos” do que o necessário.

De todo modo, uma vez que tenhamos caído, nossa postura ao levantar importa muito mais do que o próprio buraco.

A gente pode ficar estendido na avenida, esperando a sorte. Podemos chorar e reclamar a vida. Podemos até mesmo ficar horas imaginando aonde erramos, nos culpando e recriminando, ou tendo autopiedade… Mas, no final do dia, o que importa mais é a gente levantar.

A partir da aceitação do que aconteceu e da coragem de encarar os resultados é que a gente aprende, resignifica e se reinventa, buscando sair mais fortes de cada buraco no meio do caminho.

E como tem buracos no caminho…

Namaste!

Mariana Palandi
Mariana Palandi

Written by Mariana Palandi

Economista, mestre em Administração e fundadora e professora de Yoga no @sampradaya.yogaclassico🌼

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